sábado, 8 de dezembro de 2007

Ansiedade e Super-Protecção Materna

Introdução

A gravidez é uma fase única, que faz parte do desenvolvimento da mulher. É um momento de crescimento e de crise, que pode ser bastante enriquecedor. Esta fase implica fortes mudanças físicas e psicológicas, mesmo quando decorre sem sobressaltos. A ansiedade é algo inerente à gravidez e é uma reacção normal a uma situação nova e com contornos imprevisíveis. A gravidez é um acontecimento que põe à prova a saúde psicológica da mulher, implicando alguma instabilidade emocional, com alterações do humor, dos sentimentos e do comportamento.

Infelizmente, nem sempre a gravidez é um dado adquirido nem um processo que surge naturalmente. Quando a infertilidade existe, a gravidez não é um processo natural. A infertilidade implica uma luta e um processo constante de sofrimento e de perseverança. Por outro lado, a gravidez nem sempre termina com o nascimento do bebé nove meses depois. Muitas mulheres sofrem abortos espontâneos repetidos, perdendo os seus bebés antes do nascimento. Durante a gravidez, o momento do nascimento é sempre aguardado e encarado como o momento que marca o fim dos medos e do stress. Contudo, o momento do nascimento nem sempre marca o final da ansiedade. Alguns bebés nascem muito antes do tempo previsto, sendo o momento do parto o início de uma luta que ainda está por começar. Além de todas as implicações físicas que estão associadas a estas três perturbações relacionadas com a gravidez e a maternidade (infertilidade, aborto espontâneo e prematuridade) existe a dor psicológica, que nem sempre merece a atenção dos serviços e técnicos de saúde e também dos amigos, familiares e colegas.

A experiência de perda encontra-se associada a sintomas depressivos, enquanto que as experiências que constituem ameaça à vida ou que se encontram relacionadas com a saúde estão ligadas à ansiedade. O aborto espontâneo, a infertilidade e a chegada de um bebé prematuro são eventos complexos, que abarcam estes dois factores: a ansiedade e a depressão.Existem também as sequelas que não desaparecem mesmo quando já se tem um filho nos braços. As mães que passam por este sofrimento, carregam-no após a realização do sonho. Por vezes, este sofrimento não é discutido, falado, desabafado, chorado, porque nem sempre há quem esteja disposto ou disponível para o receber ou ouvir. Este sofrimento produz uma ferida que permanece ao longo da vida e pode afectar posteriormente a relação com o filho que foi tão desejado. Ironicamente, o amor que foi tão importante para ultrapassar as perdas do passado e para manter a força para continuar a lutar pode criar problemas na relação da mãe com a criança, nomeadamente através de uma super-protecção excessiva.O amor transforma-se muitas vezes em ansiedade, medo que aconteça algo de errado à criança, desconforto e dificuldade em manter a distância. Estes sentimentos podem “sufocar” a criança e comprometer a sua disponibilidade para explorar o mundo.

Infertilidade

A dificuldade em engravidar e a perda de um bebé causam mudanças profundas no funcionamento psicológico de uma mulher, deixando marcas difíceis de ignorar. Muitas das mulheres que passaram por este sofrimento repetidamente mudam a forma como encaram o seu futuro, fazendo um reajuste inevitável. Depois da aceitação da incapacidade para ter filhos, os seus objectivos e prioridades sofrem mudanças. O desejo de um filho passa a ser apenas um desejo inatingível e um sonho apenas permitido aos outros.

No entanto, os avanços da medicina permitem que cada vez mais este sonho seja uma realidade. Para uma mulher que viveu anos com o peso de se considerar uma mulher incompleta e incapaz de gerar um filho, a confrontação com uma gravidez pode ter um impacto extremamente elevado. Após a confirmação da gravidez, é comum que a mulher adquira uma atitude de hiper-vigilância, temendo que a gravidez não chegue ao fim. Esta atitude involuntária, mas por vezes consciente, é reflexo da enorme ansiedade que começa a surgir. Esta ansiedade aumenta com o decorrer da gravidez e não termina no momento do parto, implicando consequências negativas para o bebé. A ansiedade da mãe pode prejudicar a estabilidade emocional do bebé e o seu desenvolvimento psicológico.

Alguns investigadores defendem que as mulheres inférteis que foram submetidas a tratamentos para engravidar apresentam diferenças significativas ao serem comparadas com mulheres que engravidaram naturalmente e sem problemas. As diferenças estão presentes no tipo de estilo parental adoptado e também na relação com o bebé.

Os pais que tiveram que enfrentar grandes obstáculos para ter os seus filhos são mais vulneráveis psicologicamente. Desta forma, o seu estilo parental é mais ansioso, com níveis elevados de stress e super-protecção. Estas crianças deparam-se com grandes dificuldades em conseguir autonomia e em conseguir que os pais promovam a sua independência.

No entanto, nem tudo é negativo neste estilo parental: os pais que se depararam com problemas de infertilidade envolvem-se mais na educação dos seus filhos, têm tendência para estar mais atentos à criança e para ter mais sentimentos positivos na relação. Além disso, têm mais manifestações de carinho, apresentam maior envolvimento emocional com a criança e níveis de interacção mais positivos.Sabe-se que o carinho é essencial na interacção mãe-criança, pois promove o seu desenvolvimento adequado e ajustamento emocional no futuro. Por outro lado, a falta de autonomia pode comprometer outras áreas do desenvolvimento, nomeadamente o estabelecimento de relações sociais entre a criança e os seus pares.

Aborto Espontâneo

O aborto espontâneo também tem um impacto muito negativo em termos psicológicos. Sabe-se que as mulheres que apresentam elevados níveis de ansiedade após um aborto espontâneo têm maior probabilidade de vir a sofrer de perturbações de ansiedade e depressão no futuro, maior instabilidade emocional, sentimentos de dependência, culpa e auto-recriminação.

Por vezes, os médicos têm tendência para sugerir às mulheres que engravidem logo após o aborto espontâneo, porque em termos físicos o corpo está preparado para receber uma nova gravidez. No entanto, o equilíbrio psicológico pode não ter sido ainda atingido e a mulher pode não estar preparada psicologicamente para engravidar de novo. Por esta razão, a atenção dos técnicos de saúde e o respeito por este tempo de preparação é essencial para a prevenção de futuros problemas psicológicos relacionados com uma nova gravidez.

O aborto espontâneo pode produzir efeitos negativos numa gravidez futura, sobretudo quando o luto não foi vivido de forma adequada. Neste caso, após a confirmação de uma nova gravidez, as emoções negativas reprimidas podem ser reactivadas, assim como a ansiedade. O processo de luto necessita de tempo para se resolver e este tempo nem sempre é respeitado. A existência de uma perda anterior não resolvida poderá ser um factor de risco para o desenvolvimento psicológico saudável da futura gravidez e da relação entre a mãe e a criança, tal como acontece com os casos de infertilidade.

Prematuridade

A chegada de um bebé prematuro acarreta problemas muito semelhantes. Os avanços da medicina permitem hoje que muitos bebés sobrevivam apesar do baixo peso e dos insuficientes meses de gestação. Os momentos de incerteza enquanto o bebé fica na incubadora, o seu aspecto frágil e o risco de vida nos primeiros tempos têm repercussões na forma como se organiza a relação mãe-bebé. A prematuridade pode ser considerada uma situação de risco do ponto de vista psicológico e que deve merecer a atenção dos Técnicos de Saúde.

As mães das crianças prematuras mantêm muitas vezes uma atitude excessivamente protectora ao longo de toda a sua infância e adolescência, comparadas com as mães das crianças que nasceram de termo. Estas características específicas da prematuridade (fragilidade do bebé) aumentam o risco de comportamentos parentais inadequados, marcados pelo excesso de protecção.


Estas três situações, extremamente violentas em termos psicológicos para a mulher, merecem uma avaliação e intervenção cuidadas. O momento da crise, ou seja, quando a mulher se depara com a situação e quando pede ajuda é um momento extremamente importante. Uma intervenção correcta, no momento certo pode contribuir para a contenção da ansiedade e para que a situação seja menos traumatizante naquele momento. Uma intervenção cuidada vai também contribuir para a prevenção de problemas na relação com a criança.

A abordagem deve ser imediata e o modo de escuta do psicólogo deve ser empático e activo, permitindo a verbalização da ansiedade, da culpa, dos sentimentos de luto e das fantasias. É essencial que o estilo parental seja avaliado e que seja iniciada uma intervenção onde os comportamentos positivos são desenvolvidos e o estilo parental marcado pela ansiedade e super-protecção é desencorajado.

A infertilidade, o aborto espontâneo e a prematuridade têm em comum momentos de enorme ansiedade e sofrimento. A longa espera por um filho ou a incerteza pela sua sobrevivência poderão gerar problemas na relação entre a mãe e a criança, que são essencialmente causados pela super-protecção materna. É muito importante que estas mães sejam ajudadas para que a sua saúde mental seja restituída. Este apoio poderá ajudá-las a gerir da melhor forma a sua ansiedade e necessidade de protecção da criança, ajudando-a a sentir-se segura para explorar o mundo e, assim, desenvolver-se.

Referências

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Sónia Pereira
Nota: este artigo foi publicado em:
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http://www.associacaoartemis.com

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