terça-feira, 16 de junho de 2009

Entrevista à nossa psicóloga: Aborto espontâneo

Um desejo sublime

Hoje em dia, o desejo de ser pai e mãe não é o suficiente para que este se concretize. Cada vez mais, os casais encontram enormes obstáculos e dificuldades, até atingirem a meta final. A gravidez é um estado de graça que, para muitas mulheres, é difícil de alcançar. Para Ana Varizo, médica ginecologista obstetra, não restam dúvidas «uma das maiores causas de infertilidade é a idade materna.» São cada vez mais aqueles que fecham os olhos. Imaginam o quarto de bebé dos seus sonhos: um berço em madeira com os lençóis, imaculadamente brancos; ursinhos pendurados no berço, “cantando” uma melodia de embalar. O papel de parede que transpira paz e serenidade. E uma cadeira de baloiço, que aguarda a chegada do tão desejado rebento para oferecer o seu aconchego, nos momentos de ternura e paixão, que serão partilhados entre os pais e o bebé . Existem inúmeros factores, que explicam este crescente contratempo e os principais são a idade e o stress. As mulheres querem engravidar cada vez mais tarde e vamos apanhar a curva da fertilidade em baixo, por volta dos 35 anos. «A natureza ainda não evoluiu nesse sentido», revela Ana Varizo. Em tom de brincadeira, a ginecologista afirma que «cada vez mais se está a chegar ao pai-avô e à mãe-avó.» De facto as mulheres dão prioridade à vida profissional e as situações de stress com que lidam diariamente são prejudiciais para a sua saúde. De acordo com Ana Varizo «o primeiro estímulo hormonal é o cérebro e o campo das emoções situa-se ao lado deste. Logo, as situações de stress prolongado ou emoções muito fortes podem bloquear o ciclo ovulatório da mulher.» Para a psicóloga Sónia Pereira, a ansiedade é negativa sobre vários aspectos. «A ansiedade é um factor complexo que pode afectar negativamente a capacidade de engravidar e pode originar abortos espontâneos ou partos prematuros. Esta afecta, também, o estilo parental adoptado pela mulher que teve dificuldade em engravidar ou que teve abortos espontâneos, levando à super protecção da criança.»

Porquê comigo?

São cada vez mais as mulheres que sofrem de infertilidade ou abortos espontâneos. Situações que afectam, negativamente, o lado emotivo e psicológico de qualquer ser humano. Sónia Pereira afirma que ao deparar-se com um aborto espontâneo ou com o diagnóstico de infertilidade, a mulher enfrenta momentos de sofrimento, difíceis de ultrapassar. Luísa Machado, mãe e com 27 anos, teve dificuldade em engravidar com 23 anos. Tinha sido alertada para o facto de as mulheres terem maior dificuldade em engravidar, sobretudo, na primeira gravidez, mas só quando se deparou, verdadeiramente, com essa situação, Luísa sentiu uma frustração muito grande, «estamos vinte e oito dias dependentes de um resultado para depois fazer o teste e a segunda linha voltar a não aparecer» Quando conseguiu engravidar, perdeu o bebé com três meses de gestação. «A sensação que se tem é que o mundo nos caiu aos pés, revoltei-me contra tudo e contra todos e surgiu a pergunta inevitável: porquê a mim? Surge, também, o medo, medo de não sermos capazes, medo de não conseguir aguentar o processo, outra vez...», confessa Luísa Machado. Os sentimentos podem até variar de mulher para mulher, mas todas elas são assoladas por uma revolta semelhante, uma frustração comum, quando são incapazes de procriar. Iracena Duarte admite haver uma sensação de desespero, vazio, «uma sensação de revolta, de chegar a pensar que a vida não tem valor.» Sónia Pereira revela que os sentimentos são diferentes quando uma mulher perde um filho ou quando é infértil. Nos casos em que ocorre um aborto espontâneo a mulher tem tendência para procurar apoio na esperança de engravidar novamente, porque o aborto espontâneo implica um luto penoso e sofrido, de um filho que não nasceu, mas que chegou a existir dentro da mulher. Já em situações de infertilidade, a psicologia humana é mais profunda, mais dramática. «Trata-se da perda associada à ideia de ser diferente das outras mulheres, por não ter capacidade de gerar um bebé. A mulher infértil sente-se incompleta. O corpo é encarado como algo defeituoso e menos feminino.», explica a especialista.

Educada para ser mãe

Um dos responsáveis pelo sofrimento psicológico da mulher com dificuldade em engravidar é a ideia preconcebida, no seio da na nossa cultura, de que a mulher serve para dar a vida, para procriar. A mulher é educada no sentido de se tornar mãe, por muito boa profissional que seja. Regra geral, as mulheres sentem que têm a obrigação de ter capacidade para gerar um filho. São educadas para a maternidade, praticamente, desde que nascem. A incapacidade de ter filhos gera não só culpabilidade como falta de auto-estima. Luísa Machado também partilha da mesma opinião «quer se queira quer não, as mulheres ainda são muito educadas na ideia de virem a ser mães e sentes que a tua vida não fica completa sem experenciares a maternidade.” Ana Maria Matos conseguiu engravidar após longas sessões de tratamentos e uma operação. Sofreu, também, um aborto espontâneo e os seus sentimentos em relação a essa perda são claros e comuns entre qualquer ser humano, seja este homem ou mulher. «O não ter filhos, ou ter dificuldades em os ter, é igual a ter uma doença, por exemplo, um cancro, a ter um filho com deficiências, ter um pai ou uma mãe com alzhaimer, ter um acidente e ficar preso a uma cadeira de rodas. Numa palavra trata-se, realmente, é de sofrimento.» A psicóloga Sónia partilha da mesma opinião «o sofrimento a que a mulher é exposta é semelhante ao que ocorre quando se perde alguém que se ama ou quando se recebe um diagnóstico de doença crónica.»

O apoio fundamental

Quando um ser humano sofre, seja psicológica ou fisicamente, o apoio e a força por parte dos que o rodeiam são, sem dúvida, essenciais. Alexandra Machado tem três filhos, dois do primeiro casamento e um do segundo. Nunca teve qualquer problema em engravidar dos dois primeiros filhos, era jovem e o nascimento de ambos foi planeado. Os problemas surgiram ao terceiro filho. Alexandra já tinha uma idade mais avançada para voltar a ser mãe: 40 anos. Sofreu três abortos antes de conseguir engravidar do Tomás. Foram perdas muito sofridas por todos e conta como o apoio da família e dos amigos é essencial, para uma melhor recuperação. Para Alexandra «os amigos e a família foram fundamentais na força e esperança que sempre nos deram.» Sónia Pereira revela que, a maioria das vezes, a família ou amigos do casal com dificuldade em ter um filho, não sabem como reagir. Muitos familiares podem ter dificuldade em lidar com a situação. Não sabem se devem aproximar-se ou se devem manter distância. Para a especialista, a solução passa mesmo pelo casal, que deve falar do assunto abertamente, sem preconceitos, para que todos fiquem à vontade com a situação «a pessoa que tem o problema de infertilidade poderá conversar abertamente com eles. Poderá mostrar-lhes o quanto necessita deles para conversar e para partilhar sentimentos e medos. Todos os que estão preocupados ficarão agradecidos em saber que podem fazer algo útil.» Numa relação, o homem e a mulher também se devem apoiar mutuamente, principalmente, nestas fases mais complicadas. «As mulheres que têm um relacionamento mais próximo e de maior confiança com o seu companheiro, tendem a adaptar-se e ajustar-se melhor à infertilidade», afirma Sónia Pereira. Nunca é de mais lembrar que é importante que o investimento na relação não seja descurado, neste momento difícil. O casal deve investir ainda mais no diálogo, no interesse pelas necessidades e pelo bem-estar do outro, na partilha do sofrimento. O problema agrava-se quando as relações sexuais se tornam uma obrigação, sem qualquer prazer para a mulher. «A sexualidade deixa, muitas vezes, de ser fonte de prazer e transforma-se apenas num meio para atingir um fim, que é sempre incerto e imprevisível.», conclui Sónia Pereira.

Mulher vs homem

Desde os primórdios da humanidade, o homem e a mulher apresentam características físicas e psicológicas divergentes, desde o pensamento, à maneira de agir, de lidar com situações semelhantes, até às relações e sentimentos. Assim, não é de admirar que, em relação a este tema, o sexo masculino e o feminino sejam tão diferentes nas reacções e modos de pensar. Sónia Pereira demonstra, claramente, o modo como a mulher e o homem lidam com uma situação de aborto ou de infertilidade. Ambos sentem essas mesmas experiências de forma diferente. As mulheres, geralmente, exprimem mais abertamente os seus sentimentos, falando da perda e procurando apoio nos amigos e familiares. Já com os homens as coisas são bem diferentes. «A sociedade espera que os homens sejam mais fortes, que escondam o choro e o sofrimento.», declara a psicóloga. Por esta razão, o homem sente a dor de forma mais solitária, pelo que têm menos tendência para desabafar com amigos, procurar grupos de auto-ajuda e iniciar uma psicoterapia. A diferença é clara aos olhos de qualquer pessoa: «Enquanto as mulheres manifestam a dor chorando, os homens têm tendência a virar-se mais para o trabalho, evitando pensar no assunto.», conclui a especialista. Este foi o cenário que Luísa Machado sentiu ao tentar engravidar «acusava o meu marido de não me dar o apoio que eu necessitava e de estar a ser muito despreocupado em relação ao que se estava a passar connosco. Mas depois percebi que ele estava a ser muito carinhoso e que estava a sofrer tanto como eu, apenas não o demonstrava para que eu contasse com a força dele.» A maneira de pensar chega a ser tão contrária que pode gerar conflitos na relação do casal. Para a mulher, o distanciamento do homem cria a sensação de estar a ser abandonada, pensando que sofre sozinha. Por outro lado, as manifestações claras de sofrimento da mulher (choro, tristeza, apatia), podem fazer com que o homem tema que a sua companheira esteja demasiado centrada no desejo de engravidar e não consiga ultrapassar este sofrimento.”

Ter um filho é a melhor coisa do mundo

A questão que se coloca é a seguinte: será que todo o esforço e sofrimento, pelo qual passamos, serão recompensados com o nascimento de um filho? A resposta de todas as mães, com um sorriso nos lábios, foi unânime: não há dúvida de que ser mãe é a melhor coisa do mundo. Todo o esforço e luta valem a pena para alcançar esta vitória. Alexandra Machado afirma que «o resultado final é uma coisa maravilhosa, que nos enche de tudo o que a vida tem de mais sublime.» «A mensagem principal que tento sempre passar é que não devem desistir. Se o desejo de ter filhos é algo central nas suas vidas, então devem lutar por isso, mesmo que esta luta pareça infindável e difícil de ganhar», afirma Sónia Pereira.

Fonte: Alexandra Barnstorf - Jornalista

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