sábado, 20 de outubro de 2007

Entrevista à nossa psicóloga: um negócio chamado adolescência

Ana Maria Dias/ Família Cristã, Out. 2007,

«Gonçalo, não volto a repetir: quero-te às três da manhã em casa.» É assim que, normalmente, terminam os jantares de sexta-feira em casa da família Gonçalves. Pai e mãe, Pedro e Helena, vêem-se obrigados a puxar dos galões quando percebem que Vasco, de dezasseis anos, está a «esticar a corda» para sair à noite com os amigos.

A noite de sexta já se tornou um ritual. O Vasco e os amigos encontram-se às dez horas, no café do bairro, na Alameda, em Lisboa, e depois seguem todos juntos para o Bairro Alto onde «bebemos qualquer coisa e conversamos, enquanto ouvimos um bocado e música», revela o próprio. O único problema neste programa, aparentemente inofensivo, é as horas a que Vasco tem de chegar a casa. «Hoje em dia já não tenho aquele problema de não poder ir. A discussão com os meus pais agora é as horas a que tenho de chegar a casa», conta num tom desanimado. «Nós não nos podemos esquecer de que ele tem apenas dezasseis anos. Não é idade para andar na rua até às tantas. Já lhe explicámos várias vezes que ele tem de conquistar a liberdade dele aos poucos. Não é de um dia para o outro que vai começar a sair à noite e a chegar de manhã a casa», contrapõe o pai.

Este é, provavelmente, o problema mais frequente entre pais e filhos adolescentes. Afinal, todos os jovens gostam de sair à noite para estar com os amigos, conversar e dançar até de madrugada. Sair à noite durante a adolescência tem, aliás, uma carga social muito importante. Por isso, e segundo a psicóloga clínica, especializada em Psicoterapia de Apoio a Crianças e Adolescentes, Sónia Pereira, «é essencial que os pais conheçam o mundo onde vivem os filhos, informando-se, procurando livros sobre estes assuntos, conversando com outros pais e também com os amigos dos filhos» para que percebam melhor a importância de determinados programas típicos desta fase da vida.

O que a noite tem que o dia não tem

A noite tem um encanto especial. Não porque haja uma lua cheia no céu mas porque pressupõe largas horas para desfrutar e partilhar bons momentos com os amigos. «A noite é sinónimo de liberdade, longe dos olhares reprovadores dos pais, e simboliza o fim da infância e o início da vida adulta, o que confere ao adolescente alguma autonomia e independência do seio paternal», explica a psicóloga clínica. Portanto, resta aos pais descobrir a melhor forma de agir com os filhos perante os novos desafios que surgem nesta idade. «Os pais devem ter uma atitude aberta para com os filhos, procurando perceber que a adolescência implica sempre mudanças profundas nos hábitos da família. O diálogo é uma ferramenta preciosa que os pais devem utilizar desde a infância, e na adolescência é uma boa forma de agir preventivamente em relação a diversos riscos que farão parte do quotidiano do jovem», acrescenta Sónia Pereira.

O diálogo foi exactamente a estratégia escolhida por Pedro e Helena para conduzirem a adolescência do Vasco da melhor forma. «Desde sempre que tentamos não ter uma educação autoritária. Sabemos que temos de ceder em determinadas alturas e tentamos ao máximo entender que há coisas que ele há dois anos gostava muito de fazer connosco e que hoje não acha piada alguma.» As palavras de Helena vão ao encontro de uma das características da adolescência, que passa por um desinteresse na família. «A adolescência é uma faixa etária de transição. No que diz respeito às relaçõesinterpessoais, implica também o abandono da família como grupo privilegiado, associado a uma aproximação ao grupo de pares», confirma a psicóloga.
Estudos feitos nas últimas décadas mostram que cerca de 25 por cento das famílias têm conflitos com os adolescentes. Normalmente, esses conflitos devem-se sobretudo às rotinas familiares, ao facto de haver horas para entrar em casa, aos namoros, às notas escolares, à aparência física ou aos hábitos alimentares. A psicóloga Sónia Pereira considera, então, que a melhor forma de ultrapassar estes conflitos e evitar muitos outros é os pais darem aos seus filhos uma educação segura e bem orientada: «Uma educação segura e baseada na confiança mútua desde a infância, flexível, com limites bem definidos e regras negociadas em conjunto, gera uma série de capacidades que permitirão ao adolescente passar por todas as experiências próprias desta idade sem correr grandes riscos e sabendo tomar decisões adequadas.»

Entre em acordo com o seu filho

Seja para ir a bares ou a discotecas, ao cinema ou a casa de algum amigo para um serão de playstation, hoje em dia é impossível afastar o seu filho das noitadas com os amigos. A experiência da vida nocturna chega cada vez mais cedo e com ela os riscos que lhe estão associados. Por isso, para evitar que o seu filho viva sozinho esta passagem para a vida adulta, entre em acordo com ele para que ambas as partes saiam a ganhar. «A hora de chegada a casa deve ser combinada antecipadamente e os pais devem saber onde está o filho e como está a pensar regressar a casa», aconselha Sónia Pereira, que lembra ainda a importância da condução segura. «É essencial que os adolescentes saibam que é preferível recorrer a serviços próprios para regressar a casa - táxi, Serviço Noite Gregório do ACP, entre outros - do que entrar na viatura de um amigo embriagado.»

O telemóvel, que veio revolucionar o mundo das telecomunicações, pode também vir a ser um bom aliado do adolescente, «porque permitir-lhe-á avisar os pais sempre que ocorrer algum imprevisto. No entanto, os pais devem controlar a tentação de estar sempre a ligar», alerta a psicóloga. A privacidade dos jovens não deve ser corrompida pelos pais. Não espere e nem exija que ele lhe conte todos os pormenores sobre o que aconteceu durante a saída à noite e nem sonhe, seja por que me motivo for, segui-lo na rua, ler o seu diário, ler as mensagens guardadas no telemóvel ou entrar no seu quarto sem autorização. Lembre-se de que «os pais devem estar disponíveis para ouvir o filho quando ele quiser falar e aceitar que ele tem o direito de não lhes querer contar tudo. O adolescente precisa de ter privacidade para crescer emocionalmente», salienta a psicóloga clínica.

É importante perceber ainda que os filhos precisam de uma orientação moral na adolescência, uma orientação sobre os valores pelos quais devem reger a sua vida. Pense antes de descompor um adolescente. Na verdade, a maioria das provocações dos filhos são uma estratégia para comprovar a consistência dos valores dos pais. No fundo, a maior parte dos adolescentes têm o desejo de crescer e proceder correctamente, mas precisam de explicações sobre o porquê de uma coisa estar certa e outra não. E é por se sentirem muito pouco seguros de si mesmos que são muito críticos com tudo. Ainda que se mostrem renitentes em admiti-lo, os adolescentes necessitam e reclamam por uma ajuda que os leve pelo caminho certo de uma vida com tantas curvas.

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